Bandas que Mudaram de Estilo e Dividiram os Fãs

Por Esdras Junior (@eje.producer)
Quando a evolução vira polêmica: o som mudou, os fãs dividiram-se, e o debate nunca mais terminou.
Na história da música, poucas coisas geram tanto burburinho quanto uma banda que resolve mudar drasticamente de estilo. Seja por inquietação artística, pressões do mercado ou simples desejo de experimentar, muitas bandas decidiram romper com suas raízes sonoras e embarcar em novas direções criativas. Para alguns fãs, essas transições foram um sopro de frescor. Para outros, um verdadeiro sacrilégio. O resultado? Fãs divididos, fóruns pegando fogo e carreiras que, às vezes, nunca mais foram as mesmas.
Essa mudança de rumo pode levar a obras-primas aclamadas pela crítica – ou a desastres completos. De qualquer forma, ela marca profundamente a trajetória das bandas envolvidas. Neste artigo, vamos mergulhar em alguns dos casos mais emblemáticos de grupos que mudaram o próprio som e, com isso, deixaram sua base de fãs rachada no meio. Prepare-se para uma viagem por polêmicas, reinvenções e reinados abalados. Afinal, toda mudança tem seu preço.
Sepultura – Das Raízes do Thrash ao Tribal Experimental
O Sepultura começou nos anos 80 como uma banda crua de death e thrash metal, ganhando força com discos como Beneath the Remains e Arise, que os posicionaram como uma das maiores potências do metal extremo fora dos Estados Unidos. As guitarras afiadas de Andreas Kisser, os vocais furiosos de Max Cavalera e a bateria devastadora de Igor Cavalera formavam uma fórmula certeira que conquistou fãs ao redor do mundo.
Mas o verdadeiro ponto de ruptura veio com o icônico Roots (1996), um disco que inseriu elementos tribais, percussões indígenas brasileiras e uma produção mais voltada ao groove e ao nu metal. A parceria com o produtor Ross Robinson (conhecido por trabalhar com Korn e Slipknot) e a colaboração com músicos indígenas de Mato Grosso criaram um som único – ao mesmo tempo elogiado pela ousadia e criticado pela ruptura com a fórmula tradicional do thrash.
A saída de Max Cavalera, logo após a turnê de Roots, intensificou a cisão. Para muitos fãs, a banda nunca mais foi a mesma. A entrada de Derrick Green nos vocais inaugurou uma nova fase com discos como Against e Nation, marcados por uma pegada mais hardcore, industrial e experimental. A sonoridade se expandiu, mas o público se fragmentou. Parte da base original se manteve fiel a Max e passou a acompanhar sua nova banda, Soulfly.
Ao longo dos anos, o Sepultura continuou produzindo trabalhos ambiciosos, como o conceitual Dante XXI e o elogiado Quadra, já na fase mais madura com Derrick. Mesmo assim, o debate entre a "fase Max" e a "fase Derrick" persiste até hoje, especialmente no Brasil. A banda virou símbolo de reinvenção – mas também da eterna divisão entre "os que ficaram" e "os que partiram".
Apesar das polêmicas, o Sepultura consolidou um legado duplo: como pioneiros do metal extremo latino-americano e como exploradores de novas fronteiras sonoras. O nome sobreviveu, mas os caminhos tomados deixaram marcas profundas em seus admiradores.
Linkin Park – Do Nu Metal à Música Eletrônica
No começo dos anos 2000, o Linkin Park estourou como um furacão com Hybrid Theory, um disco que misturava metal, rap e elementos eletrônicos em uma fórmula explosiva. Faixas como "In the End" e "Crawling" viraram hinos de uma geração marcada pelo nu metal. O sucesso foi estrondoso, e a identidade sonora da banda parecia sólida e bem definida.
Mas a inquietação criativa falou mais alto. A partir de Minutes to Midnight (2007), a banda começou a experimentar, reduzindo o peso das guitarras e adotando influências de rock alternativo e pop. No disco seguinte, A Thousand Suns, eles mergulharam de cabeça na música eletrônica, criando um álbum conceitual futurista e recheado de sintetizadores.
Essa guinada sonora dividiu profundamente os fãs. Muitos abraçaram a ousadia e a vontade de quebrar padrões, enquanto outros sentiram falta da "raiva melódica" que definia os primeiros trabalhos. A banda se manteve fiel ao espírito experimental, mesmo enfrentando críticas pesadas de parte da base original.
A morte de Chester Bennington em 2017 adicionou uma camada emocional a essa trajetória. Hoje, muitos fãs olham com mais carinho para os trabalhos "diferentes" da banda, reconhecendo neles uma tentativa sincera de evolução artística. Ainda assim, a mudança de estilo continua sendo uma das mais discutidas do rock moderno.
Coldplay – De Rock Melancólico à Festa Pop Colorida
Coldplay surgiu no final dos anos 90 com uma proposta suave, melancólica e introspectiva. O álbum Parachutes (2000), com faixas como "Yellow" e "Trouble", cativou o público com sua beleza minimalista e emoção contida. A banda era vista como herdeira do legado do Radiohead mais acessível, com acordes simples e melodias tocantes.
Com o passar dos anos, no entanto, Chris Martin e companhia começaram a abandonar a melancolia em favor de uma sonoridade mais vibrante e festiva. Em Viva la Vida (2008), já se notava uma inclinação épica, orquestral e otimista. Mas foi com Mylo Xyloto (2011) que a banda assumiu de vez o pop eletrônico colorido, com parcerias com Rihanna e uma estética visual neon.
Essa transformação deixou uma legião de fãs antigos desapontada. Para eles, o Coldplay "de verdade" havia morrido. O novo som era visto como superficial e genérico, feito sob medida para grandes festivais e rádios comerciais. Por outro lado, o grupo conquistou uma nova audiência global, mais jovem e alinhada com os rumos da música pop contemporânea.
Apesar da crítica constante à sua "comercialização", Coldplay continuou sua trajetória de sucesso, com milhões de discos vendidos e turnês esgotadas. A banda hoje é um fenômeno planetário, mas nunca mais foi unanimidade entre os próprios fãs. A virada de chave gerou números grandiosos – e saudades imensas.
Bring Me the Horizon – Da Pancadaria Brutal ao Experimentalismo Pop
Originalmente uma banda de deathcore extremamente agressiva, o Bring Me the Horizon chocava pela brutalidade sonora e temática lírica obscura. O disco Count Your Blessings (2006) era praticamente impenetrável para quem não estivesse acostumado com os extremos do metal moderno. Mas bastou a banda começar a mudar o rumo que os conflitos começaram.
A transição foi gradual, passando por Suicide Season (2008) e There Is a Hell... (2010), onde o grupo já flertava com o metalcore mais melódico. O ponto de virada veio com Sempiternal (2013), que inseriu sintetizadores e refrões cantáveis, abrindo caminho para o experimentalismo total em That's the Spirit (2015) e amo (2019), com forte presença de pop, eletrônico e até trap.
A mudança dividiu o público como poucas. Fãs das antigas acusaram a banda de abandonar suas raízes, enquanto outros celebraram a versatilidade e a coragem de explorar novos territórios. Em vez de se prender a um estilo, a banda resolveu se reinventar a cada disco – mesmo que isso significasse perder parte de sua base.
Hoje, Bring Me the Horizon é uma das bandas mais camaleônicas da atualidade. Suas colaborações com artistas do pop, do EDM e até do rap são prova de que a banda abraçou o conceito de "gênero fluido" na música. E embora os debates nunca parem, a verdade é que poucos grupos conseguiram se transformar tanto e ainda assim se manter relevantes.
Radiohead – Do Rock Alternativo ao Experimentalismo Abstrato
Radiohead começou sua carreira sendo frequentemente comparada ao Nirvana por conta do hit "Creep", um grunge britânico melancólico e radiofônico. Com o tempo, no entanto, a banda liderada por Thom Yorke mostrou que estava disposta a trilhar um caminho muito mais ousado do que o esperado.
O ponto de virada foi o aclamado OK Computer (1997), que misturava rock alternativo com texturas eletrônicas e letras existenciais. Mas foi com Kid A (2000) que a ruptura foi completa: baterias eletrônicas, ausência de guitarras tradicionais, paisagens sonoras abstratas e uma estética fria e futurista. O choque foi gigantesco. Fãs mais tradicionais ficaram perdidos, enquanto a crítica aclamava o álbum como uma obra-prima vanguardista.
Desde então, Radiohead seguiu mergulhado em atmosferas experimentais, produzindo discos que mais se assemelham a trilhas sonoras de sonhos distorcidos do que ao rock tradicional. Ainda que tenham mantido um público fiel, a banda nunca mais teve o apelo popular do início da carreira.
A mudança de estilo, no entanto, consolidou a banda como uma das mais respeitadas do século XXI. Radiohead virou referência de inovação, mesmo que isso custasse sua acessibilidade. Muitos não conseguem mais "curtir" um disco da banda de forma imediata – mas continuam admirando sua ousadia. É arte ou alienação? Depende de quem ouve.
Conclusão: Entre a Coragem e a Controvérsia
Mudar de estilo é um ato de coragem artística – mas também um salto no escuro. Algumas bandas conseguem fazer essa transição de forma orgânica, conquistando novos públicos sem perder a essência. Outras, tropeçam no próprio desejo de reinvenção e se distanciam da base que ajudou a construir sua história. Em ambos os casos, a divisão entre os fãs é quase inevitável.
Por trás de cada mudança de som há um desejo de não estagnar, de não se repetir. Ao mesmo tempo, há sempre o risco de parecer oportunista ou artificial. O dilema é eterno: agradar a si mesmo ou manter-se fiel ao que o público espera? O equilíbrio é delicado, e nem sempre possível.
No fim das contas, essas bandas nos mostram que a música é um organismo vivo, em constante transformação. E cabe a nós, ouvintes, decidir se acompanhamos essa jornada – ou se ficamos presos ao passado.
Qual banda mais te dividiu? E qual você acha que acertou em cheio na mudança? A discussão está aberta – e provavelmente nunca vai terminar.