Morre Cristina Buarque: uma guardiã do samba que partiu em silêncio, como viveu

21/04/2025

Da Redação - Ruído Urbano News

Cristina Buarque se foi neste domingo (20/4), aos 74 anos, em decorrência de complicações de um câncer de mama. O Brasil perde não só uma cantora, mas uma verdadeira arqueóloga do samba — dessas que preferem garimpar joias esquecidas no fundo do baú da música brasileira a brilhar nos holofotes da fama. A notícia foi confirmada por seu filho, Zeca Ferreira, que em um post emocionado nas redes sociais descreveu a mãe como "avessa aos holofotes".

Nascida Maria Christina Buarque de Hollanda em 1950, ela construiu uma carreira sólida, coerente e respeitada por quem realmente entende de samba — e tudo isso sem nunca surfar na fama do irmão mais famoso, Chico Buarque. Ainda assim, estreou ao lado dele nos anos 1960 e seguiu um caminho independente, sempre devota à raiz do samba tradicional.

Cristina não se incomodou quando Bastidores, música composta por Chico especialmente para ela, virou sucesso na voz de Cauby Peixoto. Preferia o papel discreto das backing vocals ao brilho de diva do mainstream. Foi com essa mesma postura que ela se destacou como uma das principais intérpretes da chamada "velha guarda".

Sua estreia foi em 1967, como convidada no álbum Onze sambas e uma capoeira, de Paulo Vanzolini. No ano seguinte, dividiu com Chico a faixa Sem fantasia. Mas foi em 1974, no disco Cristina, que a artista cravou seu nome entre os grandes — ao dar voz a sambas de mestres como Cartola, Noel Rosa, Manacéa e Ivone Lara. Um ano depois, no LP Prato e faca, reviveu Sempre teu amor (de Manacéa), faixa de abertura que mostrava seu compromisso com a memória do samba.

Sua influência atravessou gerações. Marisa Monte, por exemplo, só conheceu o samba Esta melodia (de Bubu da Portela e Jamelão) graças à versão gravada por Cristina. Mônica Salmaso também já a apontou como referência.

Mesmo com voz suave, Cristina sempre foi potente na missão que abraçou: preservar e reavivar sambas esquecidos. Álbum após álbum — Arrebém (1978), Vejo amanhecer (1980), Cristina (1981), Resgate (1994) — ela firmou sua identidade como pesquisadora e intérprete de um Brasil profundo. Rendeu homenagens a nomes como Wilson Baptista, Candeia e Noel Rosa, e só em 1995 passou a assinar artisticamente com o sobrenome Buarque — quando, segundo ela mesma, "todo mundo já sabia que ela nunca se beneficiou disso".

Cristina vivia seus últimos anos na Ilha de Paquetá (RJ), onde comandava uma roda de samba disputada por quem entende do riscado. Mais que cantora, era uma espécie de farol silencioso para a música brasileira.

Na contramão das vozes que gritam, Cristina preferiu cantar baixinho — mas com alma, com verdade, e com uma curadoria de repertório que poucos ousaram alcançar. A ela, a nossa reverência.